O fato de a Polícia Militar ter matado 41% menos, nos primeiros 7 meses do ano, em comparação com o mesmo período de 2012, é, provavelmente, decorrente da determinação de que o socorro seja feito pela equipe especializada, e não pela própria polícia.
No dia 7 de janeiro deste ano, a Secretaria da Segurança Pública editou uma resolução determinando que os policiais militares, em casos de ferimento a tiro, devem acionar as equipes de socorro, especialmente o SAMU, ao invés de socorrer na própria viatura.
A polêmica foi grande, com diversas manifestações de policiais dizendo que eles seriam obrigados a cometer crimes de omissão de socorro. A queixa era injustificada, porque ninguém comete omissão de socorro se, ao invés de socorrer no próprio carro, chamar uma equipe especializada. Com a polícia não é diferente, pois se uma viatura policial é a primeira a chegar a um acidente de trânsito, o policial aguarda a chegada do socorro. A questão é se não socorre um acidentado, por que a PM colocava um ferido a tiros no camburão e o levava ao hospital, onde ele “morria”, invariavelmente, quando dava “entrada”?
No fundo, há um grande sarcasmo nessa queixa de certos PMs, pois a preocupação não é com a vida do ferido. Sabemos como são frequentes as execuções por policiais militares e que, nesses casos, levar o cadáver para o hospital é uma forma de descaracterizar o local, dificultando a perícia. Por isso, a “coincidência” de morrerem quase todos na porta do hospital. Os policiais precisam dizer que ele estava vivo quando saiu do local e não tem como enganar os profissionais de saúde que recebem um morto. Daí a saída padrão: os policiais agem como se ele houvesse morrido no caminho.
Curioso que essa fraude acaba sendo padronizada, revelando o faz-de-conta. Como há aceitação social dessa violência — como já escrevi, inclusive de integrantes do judiciário e do Ministério Público —, muitos fingem que não percebem a fraude, de modo a perpetuar a violência policial.
Segundo perito oficial com quem conversei, era comum que PMs, principalmente da Rota, levassem “para o hospital uma pessoa com três tiros no peito de .40, arma desenvolvida para parar uma pessoa com um tiro.”
A resolução da Secretaria foi decorrente da percepção de que a retirada da pessoa do local não era socorro — até porque só se socorre pessoa viva —, mas uma fraude para dificultar a perícia e manter oculto o homicídio. Tanto que, nas considerações iniciais, menciona que o “primado da dignidade da pessoa humana” depende do respeito à vida e que é necessária a preservação do local do crime, “inclusive a decorrente de intervenção policial”.
A diminuição de 41% das mortes, provavelmente, decorre da nova regra da resolução. Deve ser comemorada, mas ainda é pouco.
Os índices de mortes causadas pela PM paulista ainda é muito alto e está longe de um patamar aceitável em um regime democrático. Basta dizer que a polícia paulista mata mais que a polícia dos Estados Unidos inteiro. Contudo, parece que a resolução foi um passo importante para que tenhamos um dia, em São Paulo, uma polícia que atue dentro da legalidade.
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