sábado, 25 de fevereiro de 2012

ATAQUES DE TROPAS AMERICANAS MATAM CIVIS E MILITANTES NA SOMÁLIA

Longe do olhar público, EUA intervêm na guerra da Somália através de ataques militares que já vitimaram 162 pessoas

Desde 2007, cerca de vinte ataques militares americanos mataram 162 pessoas na Somália, segundo numa nova pesquisa do Bureau of Investigative Journalism, parceiro da Pública. Dentre os mortos há entre 11 e 59 civis.

A intervenção militar americana na guerra que assola a Somália é muito menos notada do que no Iêmen ou no Paquistão. Mas os ataques a alvos da Al Shabaab, um grupo fundamentalista islâmico que atua no país, aumentaram de forma aguda no ano passado.

O Bureau of Investigative Journalism, parceiro da Pública, realizou uma pesquisa detalhada sobre as atividades militares ocidentais na Somália na última década. A pesquisa foi feita com base em registros de jornais, pesquisas acadêmicas, registros dos exércitos dos EUA e do Reino Unido e registros diplomáticos.

A equipe comparou relatos divergentes para checar o máximo de incidentes possível. A investigação revela uma teia complexa de inimigos, invasões e conflitos de interesse, além de ataques secretos e mortais das Forças Especiais americanas.

Ataques
O banco de dados montado pelo Bureau registra mais de 50 eventos ocorridos desde 2001. A atuação americana abrange desde operações contra a pirataria na costa da Somália até ataques aéreos de aviões tripulados e não tripulados contra supostos militantes islâmicos.

A pesquisa descobriu entre 8 e 20 ataques contraterroristas de 2007 a 2012. O total de mortos varia entre 46 e 162 – a maioria supostamente militante. Mas o número de mortos pode ser ainda maior, já que alguns relatos dizem apenas que “muitos morreram”, e outros ataques podem não ter sido registrados por jornais ou exércitos.

Apesar das Forças Especiais americanas estarem na Somália desde o 11 de setembro, a investigação do Bureau indica que os ataques dos EUA só começaram em janeiro de 2007.

Oito ataques foram confirmados por porta-vozes americanos ou oficiais que preferiram não se identificar. Nestes ataques morreram entre 46 e 60 pessoas – sendo entre 11 e 13 delas declaradas civis.

Há outros quatro ataques cobertos pela imprensa, mas que não foram reconhecidos por militares americanos. Estas ações teriam matado entre 13 e 45 pessoas, sendo entre 4 e 31 delas civis.

Também há oito ataques não corroborados por mais de um relato, mas todos eles foram reportados por meios de comunicação confiáveis. Estes ataques geraram de 22 a 57 mortes, com 15 vítimas civis.

O Departamento de Defesa americano nega-se a fornecer correções e esclarecimentos sobre estes ataques.

Durante a investigação, o Bureau também examinou 56 ataques realizados por veículos não-tripulados dos EUA que foram registrados pela emissora iraniana Press TV. Apesar da TV iraniana aformar que houve mais de 1370 mortes nestes ataques, a equipe de reportagem não achou nenhuma evidência que fundamente estas declarações.

Vigilância secreta
O estudo do Bureau mostra fases distintas na intervenção militar ocidental na Somália. Apenas algumas semanas depois do ataque terrorista de 11 de Setembro, as Forças Especiais americanas foram acionadas no país.

Na época, temia-se que a nação se tornasse outro Afeganistão, apoiando a Al-Qaeda e outras organizações terroristas transnacionais.

Entre 2001 e dezembro de 2006, o engajamento americano consistia principalmente em operações de vigilância secreta. Em março de 2003, por exemplo, os comandos americanos instalaram uma dúzia de câmeras escondidas na costa da Somália para monitorar atividades militares.

Os EUA também realizaram rendições extraordinárias, sequestrando clandestinamente cerca de oito suspeitos de terrorismo neste período. Foi o caso de dois homens, identificados pelo Bureau: Suleiman Abdallah, sequestrado em março de 2003, e Mohammed Ali Isse, capturado em junho de 2004.

Ataques aéreos
Em dezembro de 2006, os americanos acionaram uma nova fase de intervenção. A Joint Special Operations Command (JSOC) aproveitou a invasão etíope na Somália para lançar uma série de ataques aéreos, navais e por terra contra supostos militantes da Al-Qaeda.

Esta segunda fase “não tinha a ver com as fronteiras da Somália, mas com perseguir indivíduos particulares ligados a complôs terroristas específicos, que por acaso estavam ali”, explica o Dr. Micah Zenko, do Conselho de Relações Estrangeiras.

Em janeiro de 2007, aviões AC-130 das Forças Especiais americanas fizeram mais de quatro ataques a acampamentos de militantes; entre 26 e 61 pessoas morreram nos ataques – incluindo de 6 a 35 civis.

Além disso, em junho de 2007, o navio USS Chafee realizou um bombardeamento naval contra militantes islâmicos no norte da Somália, matando doze pessoas.

Na terceira e atual fase de empenho militar americano na Somália, que começou em meados de 2011, os EUA começaram a mirar diretamente a Al-Shabaab, já que a organização passou a ser reconhecida como uma ameaça à segurança interna americana.

Segundo o consultor-chefe de contraterrorismo da Casa Branca, John Brennan, afirmou em outubro último, “a Al-Qaeda tradicionalmente tira vantagem de áreas que foram destruídas por conflito, desordem e falta de governança. São vistas como um porto seguro para lançar ataques… A Somália é uma das áreas mais desafiadoras neste momento por causa do conflito interno e da fome devastadora. É uma área que a Al-Qaeda tenta regularmente explorar”.

Ataques com veículos aéreos sem tripulação: de 2011 até agora
A pesquisa do Bureau mostra que, depois de uma lacuna de 18 meses, os EUA definitivamente voltaram à ofensiva na Somália, realizando o primeiro ataque com aviões controlados remotamente em 23 de junho de 2011. Os ataques visavam os principais líderes da Al-Shabaab, mas até hoje não se sabe se algum deles foi morto.

Os aviões das Forças Especiais operam a partir de bases em Djibouti, na Etiópia e possivelmente nas Ilhas Seychelles. Em fevereiro de 2012, foram registrados de 3 a 11 ataques aéreos deste tipo.

“Nós não podemos fornecer detalhes operacionais específicos”, afirmou o porta-voz do Pentágono, tenente-coronel James Gregory. “A respeito da Somália, nós apoiamos a African Union Mission e os esforços do governo de transição assim como eles continuam a combater o terrorismo

http://apublica.org/2012/02/ataques-de-tropas-americanas-matam-civis-militantes-na-somalia/

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