quarta-feira, 25 de maio de 2011

Nakba: 63 anos de violência sionista contra a Palestina

Israel monta operação de guerra para reprimir protestos palestinos que recordaram a “catástrofe”: a criação do Estado judeu, em 1948

24/05/2011

Baby Siqueira Abrão

de Al-Wallaja (Palestina)

A repressão do exército de Israel aos protestos na Cisjordânia, na Faixa de Gaza e em Jerusalém que recordavam a chamada “Nakba”, em 15 de maio, chamou atenção pelo alto grau de violência.

As contas ainda não fecharam, mas já se fala, por aqui, em dez mortos e mais de 300 feridos, muitos gravemente, além de centenas de prisões, efetuadas também de modo violento. Houve mortos e feridos, ainda, nas fronteiras com o Líbano, Síria e Jordânia, de onde milhares de refugiados palestinos instalados nesses países tentavam voltar ao seu território.

Palavra cujo significado é “catástrofe”, em árabe, a Nakba é utilizada como referência à expulsão de mais de 700 mil pessoas de suas casas, à destruição de vilas e cidades e aos massacres cometidos em 1948, logo após a criação do Estado de Israel em território palestino.

Segundo testemunhou a reportagem e de acordo com relatos de manifestantes, a repressão teve como alvo pessoas que seguiam em passeatas pacíficas, gritando palavras de ordem contra a ocupação sionista da Palestina e carregando suas bandeiras. Em nenhum momento, houve provocação ou ameaças por parte dos palestinos e dos milhares de ativistas de todas as partes do mundo que se uniram aos protestos.

Bombas de gás lacrimogêneo tradicionais e em canisters (cilindros de metal que, atirados com armas de impacto, em alta velocidade, penetram no corpo humano e matam), cassetetes, balas de metal emborrachado e munição de verdade, além de tanques, foram utilizados contra manifestantes desarmados.

Alerta máximo

Para justificar o uso da força, o governo israelense apelou para a Lei da Nakba, aprovada pelo Parlamento do país em março deste ano. A lei proíbe, entre outras coisas, “manchar” o dia da criação do Estado de Israel, mesma data da Nakba, com lamentos e demonstrações de luto. E são exatamente essas as características das manifestações palestinas em cada 15 de maio.

Semanas antes da data histórica já se viam, pelos postes de Ramallah, bandeiras da Palestina ao lado de bandeiras negras, simbolizando o luto pela perda da pátria, 63 anos atrás. Considerada mais uma tentativa sionista de sepultar a memória e a história dos palestinos, a Lei da Nakba foi solenemente ignorada por eles.

O governo sionista tomou medidas duras. Em 14 de maio, colocou seu exército em alerta máximo e provocou confrontos, em Jerusalém Oriental, entre soldados e jovens palestinos que protestavam contra o assassinato, por um segurança da colônia judaica de Beit Yonatan, de Morad Ayyash, 17 anos. Bombas de gás lacrimogêneo e balas de metal revestidos de borracha – alguns falaram em balas reais – eram atiradas contra adolescentes e crianças, que se defendiam atirando pedras. Testemunhas relataram várias prisões e os médicos contaram 30 feridos.

Ainda em 14 de maio, o ministro da Defesa israelense, Ehud Barak, tentou uma última cartada, declarando os territórios ocupados da Palestina zonas militares fechadas por 24 horas e colocando 10 mil soldados nas ruas. Na prática, isso significou o bloqueio dos acessos às cidades e vilas palestinas (nas quais só se entrava depois que veículos e passageiros eram revistados), além de patrulhamento ostensivo das ruas e invasões de residências.

Detenções

Em Al-Wallaja, vila de refugiados perto de Belém, por exemplo, o grupo do qual a reportagem do Brasil de Fato fazia parte foi parado quando seguia a pé para o ponto de encontro da manifestação e foi obrigado a mostrar documentos. Depois disso, o grupo decidiu ir pelas montanhas, caminhando entre as pedras.

Detenções foram efetuadas nessas revistas, mas quatro integrantes – Sheerin, Bassel, Mahmoud Al-Araj e Ahmad – só seriam efetivamente presos mais tarde. Sheerin foi libertada no mesmo dia; Bassel, Mahmoud e o ativista de direitos humanos, pesquisador e escritor Mazin Qumsiyeh saíram da prisão no dia 17 de maio; Ahmad e outro ativista permaneciam detidos até o fechamento desta edição, no dia 17.

Outro fato que chamou a atenção foi o controle israelense sobre os sinais de satélite que chegam à Palestina. No dia da Nabka, não havia acesso à internet e as televisões só mostravam canais locais. As imagens e o som das estações internacionais, como a Al Jazeera, apareciam distorcidos e fragmentados. Era impossível ver ou ouvir alguma coisa.

Só foi possível navegar na internet e assistir à cobertura da Nakba pela Al Jazeera depois de terminada a manifestação, quando os contatos entre os ativistas já não eram mais necessários.

Cenário de guerra

Nem a presença maciça e ostensiva dos jipes e soldados do exército sionista demoveu os palestinos. Reunidos em vários pontos da Cisjordânia, em Gaza e em Jerusalém, eles marcharam, aos milhares, pelo fim do muro e da ocupação israelense, pelo direito de retorno dos refugiados e de suas famílias (direito inalienável que Israel nega), pela compensação das perdas sofridas por eles, por justiça e liberdade.

Pacifistas do mundo inteiro, inclusive de Israel, marcharam lado a lado com os palestinos e sofreram os ataques do exército sionista. Muitos foram presos. Motivo para as prisões? Nenhum.

Grande parte dos mais de 7 mil presos políticos palestinos está na cadeia sem acusação formal, sem direito a defesa e sem advogado. Há mais de 300 crianças entre os prisioneiros, o que o direito internacional proíbe. Mas nem isso os soldados precisam observar. Em Al-Wallaja, eles prenderam dois gêmeos de 11 anos de idade durante a manifestação, pela manhã, e os liberaram apenas à noite.

O cenário em Al-Wallaja lembrava filmes de guerra. Jipes posicionavam-se na rodovia exclusiva para israelenses, soldados desciam deles empunhando armas pesadas, atravessavam o portão da cerca com a qual Israel praticamente isolou a vila e distribuíam-se no terreno, em grupos, como se fossem enfrentar inimigos perigosos.

Agressões

Os manifestantes que agitavam bandeiras e gritavam seus lemas repentinamente eram jogados ao chão, chutados, arrastados, e recebiam golpes pelo corpo. Os que tentavam defendê-los tinham a mesma recepção, e todos eram presos. Um vídeo com um exemplo desse tipo de tratamento pode ser visto em http://ht.ly/4V8pe . Foi realizado em Al-Wallaja por Mazin Qumsiyeh, que filmou parte da própria prisão.

Bombas de gás lacrimogêneo, sonoras e canisters ecoavam pelo vale e a fumaça subia ao longo das montanhas, afastando os manifestantes que não tinham descido a encosta pedregosa. As mulheres da vila, com seus vestidos escuros e hijabs, tiravam limões e cebolas dos bolsos e das bolsas para aliviar a respiração e a tosse de quem subia, intoxicado pelo gás. Pessoas feridas, incluindo crianças e jovens, recebiam lenços de papel e água. Os casos mais graves eram levados à ambulância, uma microclínica para atendimentos de emergência. Horas depois da manifestação ainda era possível sentir, ao longo da encosta, o cheiro forte do gás.

Rotina

Quando os manifestantes subiam as ladeiras, já no final do protesto, seis jipes israelenses surgiram, cheios de soldados, descendo a toda velocidade. Mais tarde soube-se que eles invadiram as casas mais próximas do local da manifestação, efetuando outras prisões e assustando os moradores que, alguns momentos antes, ofereciam água a ativistas exaustos.

À reportagem, o dono de um mercadinho providenciou descanso, alimento e uma “coca-cola” jordaniana muito mais saborosa do que a original. E ainda quis chamar, e pagar, um táxi para me levar à casa dos Al-Araj, onde estavam minhas coisas. A gentileza me comoveu, mas decidi seguir a pé.

Mais gentileza me esperava. A mãe de Bassel e Ahmad preparara charutos árabes especialmente para mim. Como sou vegetariana, ela substituiu a carne picada, típica do prato, por temperos verdes.

Fiquei na dúvida sobre se contava sobre as prisões. Ela, porém, já sabia: a filha Dohá, também ativista, a avisara por celular. Acostumada a ver os filhos presos, a matriarca sorriu. Havia orgulho em seu olhar e em sua voz quando falou sobre a ação da família no comitê de resistência pacífica de Al-Wallaja.

Também houve manifestações pacíficas em Hebron, Jaffa, Silwan, na Cidade Velha de Jerusalém e no campo de refugiados de Sho’fat. Todas elas sofreram ataques dos soldados sionistas, que feriram e prenderam dezenas de ativistas.

http://www.brasildefato.com.br/node/6407

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