Em meio à crise econômica que assola a Espanha, mais de 500 famílias
são despejadas a cada dia no país por não pagar aluguel ou prestações do
financiamento imobiliário.
Desde 2008, já foram quase 400 mil execuções hipotecárias. Somente no
primeiro trimestre deste ano, o Conselho Geral do Poder Judicial
(CGPJ), órgão do governo, registrou 46.559 despejos. Por dia, 517
famílias foram despejadas suas casas por inadimplência.
A Plataforma dos Afetados pela Hipoteca (PAH), entidade criada para
chamar atenção para o problema, estima que, neste ritmo, o país
terminará 2012 com mais de 180 mil famílias despejadas.
Ada Colau, ativista do direito à moradia e uma das fundadoras da PAH,
critica que a legislação ampare as entidades bancárias, mas não os
cidadãos que perdem o emprego e não podem pagar o empréstimo.
Ela afirma que, na época do boom imobiliário, o governo "facilitou o
crédito de maneira irresponsável" e, agora, anuncia cortes em gastos com
educação e saúde, enquanto resgata a entidades bancárias.
A PAH reúne assinaturas para uma iniciativa legislativa popular, na
qual propõe, entre outras coisas, a paralisação dos despejos durante a
crise e a destinação de residências desocupadas para o aluguel social.
"É preciso tratar a moradia como um direito."
Segundo dado preliminar do Instituto Nacional de Estatísticas (INE)
para o Censo deste ano, entre 5 milhões e 6 milhões de moradias no país
estariam vazias, o que representa 20% do estoque imobiliário
residencial.
A Catalunha é uma das comunidades autônomas mais atingidas pela crise
imobiliária, onde são realizados 20% dos despejos do país, segundo o
CGPJ.
Em ações coletivas da PAH, famílias que perderam judicialmente seus
imóveis ocuparam quatro edifícios vazios embargados por bancos na
Catalunha.
Ocupação
Um edifício da rua Pompeu Fabra, em Terrassa (a 23 km de Barcelona), está ocupado por 11 famílias desde dezembro passado.
A ocupação foi uma forma de chamar a atenção das autoridades para que
pressionem as entidades bancárias e também a única saída para que essas
famílias tivessem um teto, ainda que provisório.
É o que explica José Arturo Ramírez, 44 anos, soldador desempregado
há quatro anos, que ocupa um dos apartamentos com a mulher, dois filhos,
o genro e o neto.
Ramírez é uma das vítimas do setor mais castigado nesta crise
econômica, o da construção civil. "Ninguém tinha ideia de que terminaria
assim, mas os bancos, sim, sabiam. Era muito fácil conseguir um
financiamento", lembra.
Ramírez devolveu o imóvel, mas não quitou completamente a dívida. O
apartamento que pertenceu a ele, hoje, continua vazio. "Queremos o
diálogo com o governo e com as entidades bancárias."
Ramírez evita fazer planos para o futuro. "Pensei em tirar minha
própria vida. Hoje, sigo o conselho do meu médico e vivo cada dia. Se eu
desmorono, quem me levanta?"
No mesmo edifício ocupado, vive Soraya Urbano Oviedo, 31 anos, junto
com o marido e os dois filhos. Quando ficou desempregada e o marido teve
de fechar o negócio por causa da crise, propuseram ao banco um
refinanciamento da dívida.
"A resposta foi que, se não pagássemos, nos tirariam a casa."
Seu antigo apartamento também continua vazio. "Eu o vejo diariamente.
Me dá muita pena, está se deteriorando. Tenho vontade de entrar lá",
confessa. "Não sei se voltaria a 'ocupar'. Não é o que quero para os
meus filhos."
Soraya e Ramírez são uns dos poucos que conseguiram o perdão de parte
da hipoteca. A maioria não consegue, como Montserrat Colomer, 34 anos,
operária.
O apartamento onde mora já foi leiloado em 2010 e ela pode receber um
novo aviso de despejo a qualquer momento. "Se me tiram da minha casa,
vou 'ocupar' outra, porque meus três filhos não ficarão na rua e ninguém
vai tirá-los de mim", avisa.
O dia da entrevista à BBC Brasil era aniversário do filho de 5 anos.
Não houve festa, nem bolo. O próximo salário de Montserrat está
reservado para comprar os livros da escola.
http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,mais-de-500-familias-sao-despejadas-por-dia-na-espanha,939424,0.htm
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