São Paulo – A Comissão da Verdade do Estado de São
Paulo pretende pedir explicações à Federação das Indústrias do Estado de
São Paulo (Fiesp) e ao Consulado dos Estados Unidos sobre possíveis
relações entre as duas instituições e os serviços de repressão na época
da ditadura militar. Indícios dessa ligação foram encontrados pela
comissão em documentos do Arquivo Público do Estado de São Paulo. Entre
os documentos, há seis livros datados dos anos 70 do século passado que
registram entradas e saídas de funcionários e visitantes do extinto
Departamento de Ordem Política e Social (Dops) em São Paulo, um dos
órgãos de repressão da ditadura militar.
Segundo a comissão, nesses livros, foram encontrados registros de
entradas de Geraldo Resende de Matos, cujo cargo é identificado como
“Fiesp”, e do cônsul dos Estados Unidos na época, Claris Rowney
Halliwell. Embora tenham restado poucos livros de registro de entrada e
saída de tais órgãos nesses anos, os seis documentos encontrados no
Arquivo Público “são eloqüentes e falam por si”, disse Ivan Seixas,
membro da Comissão Estadual da Verdade, em audiência pública na
Assembleia Legislativa de São Paulo.
De acordo com ele, todos os que passavam pelo Dops eram identificados
e registrados nos livros que mostraram, por exemplo, diversas entradas
do cônsul americano ao local. Uma delas, no dia 5 de abril de 1971,
coincide com a data de captura de Devanir José de Carvalho, o comandante
Henrique, integrante do Movimento Revolucionário Tiradentes (MRT), que,
levado para o Dops, foi torturado e morreu dois dias depois. O livro
indica a entrada do cônsul, mas não a saída, o que faz supor que ele
possa ter permanecido muito tempo no local. “O que esse cidadão
diplomático fazia dentro do Dops, onde pessoas estavam sendo torturadas?
É impossível que ele não tenha ouvido as torturas”, questionou Seixas.
Para ele, o cônsul americano participou "de alguma forma". "Até por
omissão, porque todo mundo ouvia as torturas, e não era tortura de um
minuto, mas de horas a fio. Foram três dias seguidos de tortura do
Devanir José de Carvalho. Nesses três dias, todo mundo ouviu [os
gritos], inclusive nas redondezas. E essa pessoa [o cônsul] estar lá
dentro, naquele momento, virando noite, enquanto o torturado agonizava,
no mínimo ele foi omisso. O governo americano deve uma satisfação”,
acrescentou.
Ivan Seixas informou que tanto a Fiesp quanto o Consulado dos Estados
Undios vão receber ofício pedindo explicações sobre esses registros. A
comissão fará o pedido de explicações, que será levado à Assembleia
Legislativa e encaminhado às duas instituições. "Será um questionamento
para saber quem são essas pessoas e o que faziam lá", explicou. Seixas
ressaltou que a reunião de hoje não era um ato público, mas sim "uma
audiência públicam que tem conseqüências".
“Esses documentos são apenas o começo. Eles têm muita informação, não
é só a parte que foi exposta: ainda vão aparecer mais coisas. Estamos
perguntando o que aconteceu, quem eram essas pessoas e o que faziam lá,
mas já dá para concluir muitas coisas”, destacou Seixas, lembrando que a
comissão analisa muitos outros documentos e depoimentos.
No caso de Geraldo Resende de Matos, a comissão observou que ele
esteve no local centenas de vezes. Só entre os anos de 1971 e 1974, de
acordo com os livros do período que foram encontrados, Matos esteve no
Dops 124 vezes.
Todo o material que foi encontrado está em análise. A comissão admite
a possibilidade de que surjam mais nomes de pessoas e de entidades com
possível ligação com órgãos associados à repressão.
Para o diretor do Departamento de Preservação e Acervo do Arquivo
Público do Estado, Lauro Ávila Pereira, embora os livros de entrada e de
saída do Dops possam ser considerados de pouca importância, por não
serem documentos sobre presos políticos ou sobre a repressão, eles
constitutem documentação que, se for bem trabalhada, poderá mostrar – e
está demonstrando – o envolvimento de diversos segmentos da sociedade
civil no processo repressivo. "É um material que ficou guardado, sem
tratamento arquivístico, e agora foi digitalizado e está disponível na
internet na página do Arquivo do Estado”, disse Pereira.
No dia 1º de abril, o Arquivo Público vai lançar, na internet, a
digitalização de mais de 850 mil documentos referentes à ditadura
militar. “Há uma diversidade grande de documentos, todos eles do Dops de
São Paulo. Há prontuários de presos políticos, dossiês temáticos,
muitas fichas digitalizadas”, informou o diretor do Arquivo Público.
A Agência Brasil não conseguiu contatar hoje (18) o
Consulado dos Estados Unidos em São Paulo. Procurada, a Fiesp respondeu,
em nota, que o nome de Geraldo Resende de Matos não consta de seus
registros como membro da diretoria ou funcionário da entidade. “É
importante lembrar que a atuação da Fiesp tem se pautado pela defesa da
democracia e do Estado de Direito e pelo desenvolvimento do Brasil.
Eventos do passado que contrariem esses princípios podem e devem ser
apurados”, diz a nota.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/noticia/2013-02-18/comissao-da-verdade-quer-ouvir-fiesp-e-consulado-americano-sobre-possivel-ligacao-com-repressao
Nenhum comentário:
Postar um comentário