Há uma coisa
estranha no conflito israelo-palestiniano: apesar de durar há
décadas, os ataques israelitas são sempre apresentados como uma
resposta a qualquer coisa. Ou seja, a história, que não tem fim
e da qual já se perdeu o início, começa sempre a ser contada a
partir de um qualquer ataque palestino. E assim se apresenta povo que
não tem direito a um Estado, que está impedido de ter forças
armadas, comércio externo, economia e território contíguo, que tem
grande parte do seu território ilegalmente ocupado, que vive cercado
por muros e humilhado em checkpoints dentro do seu próprio País e
que não vê nenhuma das deliberações da ONU respeitada pelo seu
vizinho como o agressor.
Mesmo para
quem não conheça a realidade palestina - sobretudo em Gaza, onde
mais de um milhão e meio de pessoas vive amontuada num gueto -,
bastaria olhar para a desproporcionalidade dos ataques israelitas
para perceber o absurdo desta narrativa. Perante uns rockets
artesanais que mataram três israelitas as forças de Israel
lançaram uma ofensiva que, em apenas oito dias, provocou noventa
mortos e 720 feridos.
Mas a
ofensiva mais recente não começou a semana passada nem é uma
resposta a coisa alguma. Entre Dezembro de 2008 e Janeiro de 2009,
foram mortos centenas de civis em Gaza. As repetidas incursões na
faixa de Gaza provocaram, só no ano passado, 108 mortos
e 468 feridos. Este ano, até esta ofensiva, e especialmente no mês
de Setembro, os ataques israelitas a Gaza provocaram 55 mortos
e 257 feridos.
Esta nova
onda de violência ganhou uma nova escala com o assassinato, por
Israel, do dirigente do Hamas Ahmed al-Jabari, quando este
participava, através da mediação egípcia, na negociação para
uma trégua nos confrontos. E não corresponde, ao contrário do que
é dito pelo governo israelita, a uma reação, mas a um gesto
político. A ofensiva militar israelita integra-se numa campanha
para boicotar a iniciativa da OLP de propor a elevação do estatuto
da representação diplomática da Palestina na ONU. E, tal como
aconteceu no final de 2008, dá-se a poucos meses da realização de
eleições em Israel. Ou seja, corresponde à criação de um
ambiente internacional e interno que favoreça as posições mais
radicais nos dois lados. Ambiente que, como se sabe, tem
historicamente beneficiado as posições expansionistas do Estado de
Israel e a impossibilidade da Palestina ter, como é seu direito, um
Estado viável.
Até quando
continuará a comunidade internacional a tratar os palestinos como
sub-humanos sem direito a tudo a que um povo tem direito? Até quando
continuaremos a comprar a narrativa de um agressor crônico que se
usa a má-consciência do Mundo para garantir a passividade
internacional perante os seus crimes? Até quando continuaremos a
justificar o injustificável?
http://expresso.sapo.pt/israel-em-gaza-o-criminoso-que-se-faz-de-vitima=f768084
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